Quem sou eu sem a anorexia?

Eu tenho me sentido com muito sono. Talvez seja porque está chuvoso e cinza o dia todo, ou só o meu corpo reagindo ao aumento da quantidade de comida, se é que isso pode acontecer. Eu acho que estou melhorando, mas parece que tenho apenas mantido o meu peso, em vez de ganhar, o que não é bom. Eu estou tentando beber meu suplemento com mais frequência (minha nutricionista me fez rir esta semana quando falou comigo sobre isso, mas foi incisiva: devo beber meu suplemento! Apesar de ter um gosto horrível, sabe.)

Tenho pensado muito sobre a anorexia. Sobre como me sinto. Tenho medo de perdê-la? Com medo de deixá-la? Estou preocupada que não saiba quem sou sem ela? São perguntas antigas, perguntas que tinha antes do tratamento, mas que são vocalizadas de vez em quando na terapia. É uma questão importante a ser discutida. E uma questão importante a ser pensada. Tenho pensado muito e... Creio que posso dizer que, com o passar do tempo, estou ficando menos assustada e mais animada. Eu me desanimo às vezes, certas situações fazem minha mente entrar num redemoinho e eu esqueço de respirar ou pisar no chão, mas com a ajuda da equipe e, recentemente, com minha própria ajuda através dos mecanismos de enfrentamento que eu aprendi, acho uma maneira de voltar à realidade.


Vai além da anorexia. Quem sou além do transtorno bipolar? A psicóloga muitas vezes diz que o que fiz no passado não era eu, mas a doença. Tão agressiva, violenta, manipuladora, mas também passional e negligente com minha própria segurança. Por um longo período durante o tratamento, aceitar que aquilo não era eu foi um grande desafio, mas agora que faz algum tempo que achei algum tipo de estabilidade decente para, pelo menos, me olhar de frente, eu entendo. Eu sou minhas ideias e a capacidade de trazê-las à vida, não a falta de controle. Sou minhas crenças e valores morais que têm poder de transformar, não uma máquina feita para se autodestruir como tentativa fracassa de rebelião.

Sim, você leu certo. Não sou um desperdício. Eu tenho algo a dar. Tenho algo para mostrar. E, mais do que isso, tenho um mundo para mudar, mesmo que apenas um pouco. Agora, leia isso, porque são palavras raras que saem da minha boca (dedos): não sou uma pessoa ruim. Talvez seja como o que Sirius disse. Talvez eu seja apenas uma boa pessoa a quem coisas ruins aconteceram. Talvez eu tenha o poder de escolher o caminho que quero seguir. Se puder escolher, não tenho dúvidas. Eu não tenho dúvidas. Quero ser o meu sonho.

Sabe, o mês passado foi muito difícil. O enorme ataque de pânico me debilitou por um mês inteiro. Eu tive outros, menores, depois disso, mas estava constantemente pensando que um intenso como o primeiro aconteceria e eu não sobreviveria. Foi muito difícil. Mas, desde 13 de dezembro, coisas boas. Tenho tentado me aproximar mais da minha família. Admito que gostaria que tomassem alguns dos primeiros passos que eu estou tomando sozinha, mas decidi que esperar mais não nos levaria a lugar algum. Não havia uma maneira fácil de fazer o que eu tinha que fazer, então simplesmente fiz. Contei a meus pais, irmã, cunhada e irmão mais velho o motivo da minha dificuldade em lidar com pessoas e ter abandonado a escola. Pedi a meus pais que conversem com meu irmão mais novo.

Depois de muito tempo em uma sala vazia, enfim voltei a ouvir música e me divertir com isso. Estou redescobrindo minhas paixões passadas, bandas da Finlândia. O que me faz lembrar que estamos a dois meses do início da temporada de Formula 1. É bom conseguir abrir os olhos e estar empolgada com outras coisas. É triste perceber quanto perdi e quanto tempo desperdicei focando em coisas tão dolorosas quanto peso e imagem. Passei três anos sem conseguir assistir às corridas de um esporte que sempre assisti com meu pai. Assim, não perdi apenas corridas, mas momentos que costumava dividir com meu pai desde a infância e isso me entristece muito. O fim do ano marcou a feliz retomada desse hábito.

Outras coisas positivas que tenho feito para me aproximar mais da família é me desculpar. Me desculpar por como me comporto às vezes, quando falo de maneira agressiva, quando não consigo dar a atenção que merecem. Isso foi especialmente importante com a minha mãe, pois nossa relação é conturbada. Brigávamos muito, ainda nos acontece bastante, mas não posso esquecer que, quando eu voltei da internação no ano passado e não conseguia dormir no meu quarto, ela me chamava para dormir junto e me abraçava. Então, há alguns dias deitei com ela e me desculpei. "Desculpa pelo jeito que eu falo às vezes. Eu sei que eu soo agressiva. Não é de propósito." Ela disse o mesmo, e acrescentou: o importante é tentar melhorar. Foi reconfortante. Minha mãe está tentando. Está tentando fazer o que deve.

É hora de ir para a cama (na verdade são 12:45), mas eu queria escrever meus pensamentos. Hoje estava chovendo de novo, e eu estou ouvindo "In the Arms of Rain" da banda finlandesa HIM. Gosto muito de um verso em particular: in the arms of rain we are free. 

Quem sou eu sem a anorexia?
L i b e r d a d e.

Comentários

  1. Finalmente consegui comentar! Reqlmente... o medo de não sermos alguém sem o transtorno bate.
    Comecei a ir na nutricionista novamente... depois de uma viagem de 16 dias na europa. Estou surtando.
    Vc gosta de fórmula 1? Eu adoro tênis! Vou no Rio Open! :)

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    Respostas
    1. É assustador como nossa identidade é tomada por isso. São coisas tão bobas que são alteradas que é até difícil puxar da memória com clareza e explicar quando perguntam. A gente só sente que está diferente, e só sabe conscientemente o quanto mudou quando começa a mergulhar no tratamento. É um horror.
      Adoro Formula 1, cresci assistindo. Gosto de tênis também! Mas não sou letrada na matéria, haha. Só gosto de assistir os jogos pela TV e fingir que sei as regras.

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