O que recuperação não é (e o que ela é)


Eu falei um pouco sobre as expectativas versus a realidade na recuperação neste post, mas gostaria de escrever algo mais sobre isso, porque, antes de começar a minha recuperação, tentei entender como seria através dos blogs de outras pessoas e das contas do Instagram, e acabou que aquelas eram coisas tão distantes da realidade. Através do meu blog, não quero que as pessoas tenham uma ideia errada do que é a recuperação. Da mesma forma que eu não quero fingir que os transtornos alimentares são maravilhosos, porque estão longe disso, não quero fingir que a recuperação acontece de forma perfeitamente ordernada, então, isso não é para ser uma postagem desanimadora, mas um olhar mais realista no que é como se recuperar de um transtorno alimentar.

1. A recuperação não é sobre enaltecer seu eu mais doente
Especialmente na comunidade de recuperação no Instagram, e durante a Semana de Conscientização da NEDA, vejo isso muito. Pessoas que mencionam em seus perfis quantas vezes foram internadas, quantas vezes foram alimentadas por tubo, quantas vezes "tentaram a recuperação". Para mim, pessoalmente, isso não é recuperação, porque a razão pela qual você coloca essas coisas como as informações mais importantes sobre si mesmo (como na sua bio do Instagram), você está fazendo a doença a parte mais importante da sua vida. Essa é a mentalidade doente. Você está tentando provar quão doente você está – mas todo mundo já sabe que você está doente! Em vez disso, coloque outras coisas em suas bios: quais filmes você gosta, qual é seu artista de música favorito, lugares que você quer visitar, quem é seu melhor amigo, o que você quer estudar na universidade, qualquer coisa, qualquer coisa que se relacione com a vida.

2. A recuperação não é sobre se tornar vegano
Eu escrevi um artigo sobre isso antes, mas isso é realmente importante para mim. A recuperação não é sobre começar uma dieta vegetariana e cortar grupos inteiros de alimentos do seu prato. Não estou dizendo que você não pode ser um vegetariano e se recuperar, até porque eu mesma sou vegetariana, o que estou dizendo é que o discurso comum de que "Ser vegano curou meu relacionamento com a comida" é uma mentira. Um transtorno alimentar é muito mais complexo do que isso e requer muito mais do que isso para ser superado. Em vez disso, parece-me que este discurso é uma maneira de mascarar a gravidade do problema e mentir para si. Você pode se tornar um vegano durante a recuperação (se você substituir os alimentos adequadamente e isso não colocar sua vida em risco), desde que você saiba que precisa de mais do que apenas isso. Você precisa mais do que apenas isso para curar seu relacionamento com a comida.

3. A recuperação não é sobre fitness
Especialmente no Tumblr e Instagram, há esta onda de "contas de recuperação" em que as pessoas mencionam longas corridas, treinamento muscular e estadias prolongadas na academia como parte de sua recuperação de um transtorno alimentar. No entanto, não deveria ser, por várias razões, mas, principalmente, se você tem um distúrbio alimentar restritivo (que é do que estou falando aqui, desde que não tenho conhecimento pessoal sobre qualquer outro), novamente você está mascarando sua compulsão de queimar calorias e se livrar de gordura corporal com a premissa de que "exercício é saudável", mas exercício não é sempre saudável, e pode ser uma coisa ruim. O ponto na recuperação é para estabilizar o corpo natural e funções e mentalidade em primeiro lugar. Ter gordura em seu corpo não é uma coisa ruim, é uma coisa necessária, e ganhar peso através de músculos não significa necessariamente que está se recuperando.

4. A recuperação não é uma coisa bonitinha – e não é uma linha reta
Honestamente, eu chorei tanto desde o início da minha recuperação, e fiz besteira tantas vezes. Mesmo com o apoio de uma equipe e a família mais solidária do mundo, a maior parte do trabalho de recuperação você tem que fazer sozinho, na sua cabeça e nas suas ações. Às vezes você vai começar a chorar por causa de um prato de macarrão, e às vezes você vai planejar sua recaída todos os dias e não vai entender como é possível que você continue lutando para se recuperar mesmo que a voz na sua cabeça continue dando um milhão de razões para recaída. As coisas não mudam magicamente, e às vezes você desliza. Mas isso é parte do processo. Ter lapsos é parte do processo, mas as recaídas não têm de ser. Você tem que continuar lutando, mas às vezes tudo bem ficar cansado, "fazer uma pausa", tirar uma longa soneca quando não conseguir lidar com as vozes na cabeça. Sei disso, porque eu fiz isso, mas quando você acordar, vá e pegue algo para comer. Você não tem que agradar a voz em sua cabeça, mas precisa salvar a você mesmo.

5. A recuperação não é perder o controle da sua vida
Antes de começar a minha recuperação com uma equipe, descobri que eu tinha que reavaliar o que significa "liberdade". Fiquei aterrorizada com a ideia de perder a minha "liberdade", de ser dita o que fazer, ter de seguir instruções de outra pessoa. E isso é bastante usual para as pessoas que começam a recuperação, e também uma razão pela qual as pessoas muitas vezes são tão relutantes. É assustador. É assustador não "possuir sua própria vida". Mas uma coisa que aprendi é que escolher a recuperação é a verdadeira liberdade. Ter uma escolha e escolher o que é melhor para mim é a verdadeira liberdade. Ter um transtorno alimentar não é liberdade, porque você está sendo manipulado por uma doença. Você não está escolhendo, e isso é algo que eu tive que dizer a mim mesma uma e outra vez: eu não escolhi ter um transtorno alimentar, mas posso escolher me recuperar. Posso escolher confiar nas pessoas, posso escolher confiar no processo.

A recuperação é sobre redescobrir a si mesmo. É um processo difícil, muitas vezes emocionalmente doloroso, mas é também bonito. Redescobrir o que você gosta, o que você quer fazer com a sua vida, o que você pode fazer com a sua vida (dica: tudo e qualquer coisa!). Trata-se de aprender que sempre haverá desafios na vida, mas que eles não vão durar para sempre, e que você não precisa se destruir para fazê-los parar. Trata-se de aprender a lidar com seus sentimentos, de aceitar que você tem sentimentos e que ter sentimentos não é uma falha. Trata-se de enfim se permitir fazer amigos, ser parte do mundo, parar de ser uma ilha isolada de miséria. Trata-se de descobrir sua força, sua força de vontade. A recuperação não é fácil, mas não é impossível. Não é rápida, mas pode acontecer. Tudo que você tem a fazer é continuar tentando, fazendo o seu melhor, mesmo quando não quer, mesmo quando a doença sussurrar no seu ouvido (ou gritar enlouquecida). Você tem que continuar. "Você já provou que pode ser doente. Agora prove que pode se recuperar."

Comentários

  1. Oi! Descobri seu blog por acaso, com uma pesquisa no Google. Salvei nos favoritos pois seu jeito de escrever me encantou. Você transmite emoção em casa palavra. Fiquei emocionada. Obrigada por compartilhar suas experiências. Att, Bruna.

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    1. Olá, querida! Desculpe pela demora na resposta; estive fazendo uma pausa deste blog nos últimos meses. Muito obrigada por suas palavras. Significam muito para mim! Espero voltar a escrever aqui em breve.

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