Mas está tudo bem
Hoje é um daqueles dias. Me sinto estranha. Estou desligada de mim mesma. Hoje é um daqueles dias em que é difícil sair da cama, imaginar uma razão para me importar. Olho no espelho e não gosto do que vejo, mas me pergunto se aquilo é realmente eu. Nada disso importa. É o que penso. Minha vida não importa. Minha saúde não importa. Meus pensamentos não importam. Ninguém se importa. Eu não tenho valor.
Hoje, eu chorei. Na verdade, eu estou chorando agora. Eu sofri com o café-da-manhã e almoço. Eu não sei por que comer. Eu não sei por que tentar. Eu não sei por que lutar, se eu não importo. Não tenho nada de bom para oferecer a ninguém. É como eu me sinto. Sou uma adolescente problemática. Esqueço que não sou mais adolescente. É como se estivesse congelada no tempo. É como se vivesse aqueles dias de novo, para sempre.
Hoje, eu quero me sentar sozinha em algum lugar e chorar até meus olhos caírem do meu rosto, mas também quero que alguém me note, que alguém perceba, que alguém saiba o que está acontecendo por dentro. Eu quero um abraço. Quero que alguém me ajude. Quero que alguém me diga que sou eu, não importa o quê. Quero alguém me diga que eu mereço, que eu mereço ter uma vida, porque eu, sozinha, não consigo mais.
Mas, você sabe, eu tenho que aprender. Eu tenho que aprender a me confortar. Tenho que aprender a acreditar no que digo para mim. Tenho que aprender a ser amiga de mim mesma. Então eu continuo olhando para o espelho, analisando esse rosto. Olhos grandes e redondos. Os cílios longos e escuros. O nariz reto e um pouco largo com uma brotoeja leve, a boca ligeiramente aberta, e as lágrimas rolando pelas bochechas. O que é? Essa criatura com um olhar assustado, derrotado. Por que eu deveria me importar?
Eu não sei o meu nome. Não sei quantos anos tenho. Eu não sei o que é passado e o que é presente. Não sei o que me pertence, tampouco aonde eu pertenço. Não sei em quem posso confiar e quem confia em mim também. Eu não sei o que os meus sentimentos significam. Não sei se sou uma boa pessoa que só não consegue ser ou uma narcisista deprimida. Bem, eu provavelmente não sou narcisista, porque sequer reconheço meu próprio rosto. Mas talvez eu esteja apenas com defeito.
Hoje é um daqueles dias. Nada faz sentido. Nada parece certo, mas nem estou presente. Eu não sei para onde ir, porque não sei onde estou. Algo está sussurrando em meus ouvidos. Posso ouvi-lo, mas não sei de onde vem. Diz que sou um fracasso. Diz que sou uma farsa. Diz que sou um desperdício. Diz que sou indigna. Diz e repete e repete mais uma vez, como uma cobra. Isso me confunde, então eu continuo olhando.
Quem é essa pessoa? Quem é essa pessoa? Quem é essa pessoa? O que quer dizer? Sim, é um daqueles dias em que as perguntas se repetem em silêncio, através das lágrimas, mas, veja, não há mais sangue. Eu não sinto, mas estou desconfortável. Não estou aqui, mas estou em pé. Mas eu não machuco as pessoas. Eu não quero ferir pessoas. E essa garota já está chorando. Já está derrotada. Ela já está perdida. Ela já está confusa. Por que eu a faria sofrer ainda mais? Eu não poderia.
E então eu percebo: eu me importo. Esta criatura no espelho não merece mais dor. Eu posso ver em seu rosto que ela já está sofrendo para suportar. Por que eu iria machucá-la mais? O choro se intensifica. Por que me importo? Como eu me importo, se eu nem estou aqui? Como eu me importo se não sou física, se estou vagando, se estou perdida em algum ponto do tempo, em algum lugar atrás, em algum lugar onde tudo já acabou?
Eu toco o espelho. Eu toco aquele rosto, toco a imagem oposta, aquela que não consigo ver se fechar os olhos. Mas e se, eu penso, e se esta sou eu? E se essas lágrimas forem minhas? E se os olhos assustados me pertencerem? E se eu for essa pessoa frágil e ferida que estou olhando? E se ela não estiver presa no outro lado do vidro, mas transbordando desta pele que segura meus órgãos? E se eu sou ela e ela sou eu e nós formos um?
Eu não consigo parar de chorar. Estou sobrecarregada. É demais. De alguma forma agora estou sentindo. Agora estou sentindo. Agora estou aqui. Agora estou respirando outra vez. É a hora do pôr-do-sol. Meu quarto está escuro. Minha mãe está tossindo lá embaixo. O quarto está uma bagunça. Há roupas sujas e lixo em todos os lugares. Minha cama está cheia de livros que não consigo ler e de diários velhos que me fazem soluçar.
Eu estou aqui. Eu sou eu. Estou chorando menos. Eu existo. Às vezes eu me esqueço disso, às vezes eu duvido disso, às vezes eu desejo anular isso, mas está tudo bem.
Eu vou ficar bem.
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