Voltando aos trilhos após uma recaída


Bem... o último mês foi extremamente difícil. Não é segredo para ninguém que eu lutei muito com minhas refeições e com pensamentos e comportamentos doentes, mas a verdade é que eu tenho desacelerado meu progresso e meio que andado para trás desde a metade de novembro ou algo assim. Eu ainda não sei como começou, mas sei como ficou pior. Pensei muito sobre desistir e abandonar o tratamento, sobre sentir falta do meu "corpo antigo" e o orgulho que sentia quando "conquistava" um quadro mais severo.

Sim, eu tenho recaído. Tenho tido impulsos para ir contra a minha recuperação, para fazer coisas que vão me levar de volta ao estágio inicial. Senti como se a única solução para sair da "armadilha" em que estou fosse perder todo o peso outra vez e aceitar a viver uma vida assim. Afinal de contas, eu penso, outras garotas estão pior que eu. Tenho sentido essa inveja estranha e desconfortável quando vejo garotas que continuam nadando contra a recuperação, que mantêm seus pesos baixos apesar do tratamento, apesar de tudo. Sinto vergonha de mim, porque me deixo "contaminar" pelo mantra do que é saudável.

Na terça, eu vi minha equipe pela primeira vez desde 13 de dezembro. Tive longas conversas com ela, em relação a todas as coisas erradas que eu tenho feito e todos os impulsos auto-destrutivos que eu tenho tido. Eu precisei contar sobre as refeições que eu pulei, os remédios que joguei no lixo, as tentativas de me machucar, a sensação de nunca sentir nada genuíno o bastante, forte o suficiente. A dormência interior, o entorpecimento. Mas o fato é que eu poderia ter mentido, poderia ter fingido estar bem. Elas não teriam notado: eu estava usando um vestido bonito e maquiagem. Estava falante e sorridente.

Eu poderia ter mentido. Mas não fiz. Em vez disso, eu disse a verdade, apesar da vergonha de fazer coisas erradas, apesar do sentimento de desperdiçar seus esforços para me ajudar. Eu não menti, e foi assim que eu percebi que quero me recuperar. Eu poderia ter fingido, mas fui honesta e aberta o suficiente para ouvir o que tinham a dizer. Eu estava com medo. Eu pensei que me repreenderiam. Pensei que diriam coisas que me machucariam. Mas eu disse a verdade. Por quê? Porque estou cansada da minha vida. Eu estou cansada de pular refeições. Estou cansada de odiar meu corpo. Estou cansada de ficar com raiva porque querem que eu coma. Estou cansada de pensar que sou inútil, uma causa perdida, uma desgraça.

Na terça, minha terapeuta disse: "Eu entendo o que você fez. Eu entendo que você teve que desenvolver um quadro de anorexia para fazer seus pais percebem que você estava sofrendo e que precisava de ajuda. Mas agora essa ajuda já está sendo dada a você." E se eu parar e pensar sobre isso, é verdade. Minha anorexia começou como um medo de ser isolada outra vez, mas acabou se tornando a minha "rota de entrada" para a ala psiquiátrica. Tornou-se minha maneira de forçar meus pais a verem que havia algo de errado, porque pedir ajuda não funcionou. Gradualmente, se tornou minha maneira de mostrar que eu estava sofrendo, e toda vez que algo ruim acontece, toda vez que eu tenho que enfrentar algo difícil, sinto o impulso de afundar na doença como antes. Mas essa não é a maneira de fazer as coisas.

Há uma máxima na comunidade de recuperação: ela diz que a recaída é uma parte da recuperação, e é. A doença é seu cobertor confortável, seu casulo seguro, um lugar familiar para o qual voltar quando algo der errado. É normal escorregar e fazer coisas erradas às vezes. Mas o que caracteriza a recuperação é a sua vontade de lutar, avançar, desafiar, ir contra os impulsos auto-destrutivos. Às vezes você não quer fazer. Às vezes você se pergunta "Por quê?". Às vezes não faz sentido e você perde a esperança. Mas é então que você tem que usar o lado racional e dar um salto de fé: você vai lutar porque sabe que lutar é o que você tem que fazer. Mesmo que não queira, mesmo que doa, mesmo que você duvide que vá resolver as coisas, tem que ter fé e confiar no processo. Um passo de cada vez, você tem que mudar as coisas.

É isso que estou tentando fazer. Se posso ser honesta sobre isso, vou dizer: todas as noites, eu digo a mim mesma que não vou comer nada no dia seguinte. Toda noite, digo a mim mesma que estou cansada, que me arrependo de ter começado a recuperação e o tratamento. Mas a verdade é que esta doença não me deu nada de bom. Eu já estive mais doente, já estive pior, já vi o que acontece quando você está no seu ponto mais baixo. E o que de bom veio disso? Qual foi a recompensa? Nada. Foi um pesadelo. Eu tinha medo de adormecer porque pensava que meu coração pararia se eu fechasse os olhos. Eu urinava nas minhas roupas porque os músculos estavam fracos, me machucava toda noite e ninguém se importava, e nada mudava. Eu não conseguia me concentrar porque minha mente estava embaçada.

Nada bom vem disso. Eu já vi. Eu não quero nada disso. Ser doente machuca. Ser mais doente é doloroso. Mas eu não sei o que virá quando for saudável, quando eu passar por este período turbulento e alcançar um equilíbrio. Isso eu nunca vi. E o que é novo é assustador, mas também é uma faísca de esperança. Eu sei que as chances que tenho de viver uma vida melhor estão na outra extremidade. A ajuda que eu preciso já está sendo oferecida. Agora, tenho pessoas que se importam. Agora, tenho pessoas que estão dispostas a me conhecer por quem eu sou e entender o que me trouxe até aqui. Eu tenho a chance de dizer às pessoas o que aconteceu, o quanto sofri, o quanto chorei, quantas vezes quis morrer. Eu tenho a chance de gritar que me odeio e não sei o que fazer. Tenho pessoas que me ouvirão e me guiarão para que as coisas mudem. E não é isso que eu queria? Uma mudança? Uma boa mudança?

Encontrar a motivação para sair da recaída é difícil e não vem da noite para o dia. Você não vai consertar tudo em 24 horas. Mas agora, tenho que voltar ao básico, dar os mesmos pequenos passos de antes. E eu sei que posso fazer isso, porque já fiz antes. E é por isso que a recaída não tem de significar voltar à estaca zero: você já deu os primeiros passos. Tudo o que tem a fazer agora é escolher fazer uso das ferramentas que foram dadas a você. Por mais difícil que seja, não é impossível se você se der a chance de tentar, e se der à recuperação o benefício da dúvida. Você já viu o que acontece quando está fraca, mas a única maneira de saber o que acontece quando está forte e saudável é experimentá-lo por conta própria.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Esconder comida como um sintoma de transtornos alimentares

Minha experiência com o Centro de Valorização da Vida (Aviso de Gatilho)

CVV: expectativas, críticas e sugestões