Coisas que eu gostaria que minha família soubesse sobre minha luta com um transtorno alimentar

Distúrbios alimentares afetam todas as áreas da vida, mas uma que é especialmente afetada é o seu relacionamento com sua família. Lembro quando estava profundamente em minha doença e passava todos os meus dias no meu quarto, mal falando com ninguém. Sempre que meus pais me pediam para comer, eu dava uma desculpa ou comia sozinha. Lembro de quando estava começando a recuperação e tive dias realmente ruins quando não queria comer nada. Eu quase fiz minha mãe chorar.

Um dos sintomas que experimentei quando meu peso estava realmente baixo e a minha ingestão era severamente limitada foi a paranoia. Eu estava constantemente preocupada com o que colocavam na comida que me faziam comer. Eu pensei que estavam tentando me forçar a ganhar peso, a engordar. Sentia que minha família estava trabalhando para me destruir. É difícil, porque eu sou uma pessoa muito lógica. No entanto, naquela época não havia absolutamente nada de lógico sobre mim. Fui tomada pela doença. Minha relação com minha família foi marcada pela minha desconfiança.


No entanto, com o meu tratamento, o nosso relacionamento lentamente começou a mudar. Foi difícil no início, especialmente com a minha mãe, mas gradualmente as coisas começaram a cair novamente no lugar. Hoje em dia, muitas vezes tento comer na frente dos meus pais, mesmo que às vezes tenha dias ruins e prefira me esconder em algum canto da casa. No entanto, sei que esse processo não é apenas difícil para mim. Eu sei que às vezes me ofendo por coisas que parecem normais para eles e que têm dificuldade em entender por quê. Então, decidi escrever o que gostaria que soubessem.

1. O que vocês dizem sobre outras pessoas e sobre si mesmos importa
Uma das situações mais frequentes em casa é ouvir comentários sobre o que as pessoas estão comendo ou comparações e julgamentos. Minha reação a esse tipo de coisa não é boa e eu fiz minha mãe triste por causa disso no passado. Além disso, há sempre algum tipo de comentário sobre o corpo ou a dieta de outra pessoa. Acho que pode ser difícil entender como essas coisas me afetam, mas a verdade é que me afetam, mesmo que não sejam direcionadas a mim, e o mesmo acontece com todos que têm transtornos alimentares. Nossas mentes mudam imediatamente mudam o eixo e nos colocam como sujeitos.

Uma coisa que preocupou minha psicóloga é quantas vezes eu disse a frase "Se fazem isso com outras pessoas, por que não fariam comigo?" Estávamos falando sobre quantas vezes ouvi meus pais fazendo comentários sobre os corpos e o que comem a minha tia ou minha avó ou minha irmã quando não estavam presentes. Eu estava (e ainda estou) constantemente preocupada que, se comer qualquer coisa, farão comentários sobre isso quando eu não estiver ao redor, e isso me faz evitar comer, porque eu não quero ser assunto de comentários humilhantes, mesmo que, para quem os faz, pareçam inocentes.

2. As piadas machucam
Fazer comentários sobre pessoas gordas, mesmo se a pessoa gorda for você mesmo, tem o mesmo efeito do que eu mencionei antes. Se você faz isso para si, por que não faria sobre mim? Ou, ainda, se você faz isso para si mesmo, por que eu não faria o mesmo comigo? É uma situação confusa mesmo para mim, porque me faz me perguntar por que alguém pode pensar que é gordo e dizer coisas ruins sobre si e eu não posso fazer o mesmo sobre mim sem ser repreendida. Nós crescemos cercados por pessoas que estão insatisfeitas com seus corpos e querem mudar, então por que não eu também?

Uma parte muito importante do meu tratamento, feita tanto pela minha psicóloga como pela minha nutricionista, é me ajudar a compreender que não tenho de estar insatisfeita com o meu corpo e tratá-lo mal como todo mundo faz. Eu não tenho que seguir a tendência. Tentam me fazer entender que esse tipo de pensamento também é uma maneira doentia de viver. Nossa sociedade está doente e somos todos vítimas. Somos ensinados a estar insatisfeitos com nossos corpos, não importando o quê, mas temos que aprender sobre isso e reconhecê-lo como algo ruim, e parar de reproduzir tal ideial.

Não é engraçado fazer piadas ou comentários sobre a barriga de outra pessoa, ou sobre a própria barriga, ou sobre as coxas de alguém. Não é bom dizer que alguém não deve usar isso ou aquilo porque vai fazer com que pareçam "ainda mais gordos" ou "ainda mais baixos" e isso não é desejável. Não é desejável para quem? Não é bom para quem? Não é de boa aparência para quem?

3. Só porque agora eu como, não significa que estou saudável
Isso é algo com que eu realmente sofro. Eu tenho comido muito mais do que comia antes, e por causa disso eu sinto que às vezes minha família esquece que eu ainda estou doente. Eu acho que muitas vezes esquecem que comer ainda é uma questão enorme, que ainda me deixa triste, ansiosa e estressada. Sim, estou ficando melhor, mas às vezes estou apenas tentando segurar as lágrimas e o desejo de jogar fora a comida. Eu ainda luto para evitar agir sobre a voz da doença e gostaria que entendessem isso.

4. Refeições em família ainda são extremamente difíceis
Na noite anterior ao Natal, saí do nosso jantar e fui para a sala com lágrimas nos olhos. Eu tinha tido um tempo difícil durante toda a noite tentando me convencer de que estava tudo bem em comer uma grande refeição junto com minha família e, durante a refeição, minha mãe fez um comentário sobre eu comer demais. Foi uma piada, eu sei. Ela provavelmente sequer pensou muito sobre isso. Mas me machucou e tornou ainda mais difícil terminar o que eu estava comendo.

No dia de Natal, eu decidi ficar em casa, em vez de visitar meus tios com minha família. Eu ainda estava pensando sobre a piada e decidi que seria melhor ficar em casa. A noite já tinha sido incrivelmente difícil de suportar, eu me dei conta de que não era forte o suficiente para lidar com uma refeição ainda maior com ainda mais pessoas. Além disso, também queria evitar ser julgada e ouvir que já estou "bem" e "não pareço ter um transtorno alimentar". Eu estava com medo de lidar com comentários e perguntas sobre o meu tratamento, meus hábitos alimentares e minha doença. Eu teria que lidar com conversas sobre dietas e peso, que eu sabia que não poderia suportar. Então passei o Natal sozinha.

Uma maneira de tornar as refeições familiares um pouco mais fácil seria falar menos sobre o que outras pessoas ou eles próprios comeram em outras refeições, parar de comparar e fazer julgamentos. Não mencionar minha doença e não mencionar o que estou comendo, mas falar sobre coisas interessantes e distante da comida seria ótimo.

5. Vocês não sabem tudo sobre mim
Uma frase que minha mãe ama é "As mães sabem tudo". Bem, essa frase não é verdadeira. Na verdade, as mães sabem muito pouco. Ou, assim foi, no caso em relação à minha doença e minha saúde mental em geral. Aparentemente, estar comigo todos os dias tornou mais difícil identificar meus sintomas, e lidar comigo desde que nasci tornou mais difícil ver meus sintomas como algo anormal. Eu não tenho certeza se entenderam este fato quando fui diagnosticada com anorexia nervosa e transtorno bipolar. Os pais não sabem tudo sobre seus filhos, e assumir que fazem é, na verdade, bastante perigoso. Você não sabe como se sentem e o que pensam. É provavelmente difícil ver seus filhos como seres humanos completos e independentes que você não pode controlar e entender inteiramente, mas essa é a verdade, e aceitá-la é a melhor maneira de lidar.

6. Não é sobre o meu peso
Uma coisa que eu sempre, sempre tento reforçar é o fato de que os transtornos alimentares não são primariamente sobre peso e corpo, e assumir que são é errado e implica na ignorância das condições complexas que resultam em um quadro tão grave como a condição de ter um transtorno alimentar. Na verdade, a única maneira de realmente se recuperar realmente de um transtorno alimentar exige tratar os problemas que se encontram debaixo dele. Estas são questões complexas que podem incluir o medo de ser sexualmente atacado ou sexualizado, o medo de ser humilhado, desejo desesperado de se encaixar...

No meu caso, tal como acontece com muitos outros pacientes, o transtorno alimentar começou como resultado de várias causas, ao invés de apenas uma. Eu nunca fui acima do peso e nunca fui chamada de gorda na vida (a menos que conte as vezes que me chamei de gorda). Na verdade, era um pouco pequena.

Então por que tenho um transtorno alimentar? Bem, vem de longos anos, sete anos de bullying constante, não relacionados ao meu corpo, mas à minha sexualidade, gostos, depressão e condição econômica. Vem do abuso sexual que sofri quando tinha 15 anos de idade. Vem do sentimento de que nunca fui boa o suficiente para ninguém, porque todo mundo se cansava de mim, não importando o quanto eu tentasse ser uma boa pessoa. Vem do ambiente no qual eu cresci, no qual todo mundo me dizia que engordaria um dia, porque todo mundo na família era gordo. Vem das piadas que ouvi e do medo de ser humilhada. Vem de meu amor pela moda e das palavras dos designers favoritos (olá, Coco Chanel).

Ele também vem do meu desejo de ter controle sobre a minha vida, de ser quem eu queria ser, de conseguir algo que todo mundo quereria. Eu queria ser admirada, ser amada, ser respeitada, me sentir incluída, bem-vinda e bem vista. A única vez que fui admirada na escola foi quando eu tinha 16-17 anos e as garotas gostavam de mim porque eu "parecia uma modelo ou uma estrela de cinema". Foi nesse período que comecei a vigiar o que comia e me preocupar com a minha aparência. Eu não queria mudar, tinha medo de mudar, porque tinha medo de voltar a ser odiada, ser destratada.

Meu relacionamento com minha família tem melhorado muito recentemente, desde que comecei meu tratamento. No entanto, ainda existem muitas questões difíceis que se tornam uma deficiência na forma como nos relacionamos uns com os outros. Somos todos muito emocionais, mas não somos bons em sermos vulneráveis uns com os outros, precisamente porque estamos todos acostumados com a forma como somos cheios de julgamentos e comentários ácidos. Desta forma, espero que a minha doença um dia traga mais consciência, mais cuidado e consideração em nossas relações diárias.

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